Uma história contada por Papai.

Depois de algum tempo hibernando o autor do texto abaixo reaparece com intensidade nas páginas deste diário com duas publicações em apenas uma semana. Diante da maestria com que conduz a escrita valoriza de forma imensurável este desprezível blog. Destarte atentai-vos ao conto:

Sentindo a saudade fazer morada no meu peito resolvi ir visitar meus pais. O cheiro de meu pai, perfumado com impregnação do forte cheiro do cigarro de palha, é como espinafre, refrigera a alma e faz o espírito sossegar. Os afagos de minha mamãe tornam-me mais forte e sóbrio para diligenciar as contingências impostas pela vida.
Pois bem, durante a noite sentamos na calçada da casa olhando para a rua e contemplando a movimentação, que por sinal é pouca e não há nada de inovador. Em meio ao debate que versava sobre todos os assuntos, principalmente sobre o inverno, resolvi falar-lhes sobre Adriano Fontes, homem de fortes emoções e puros sentimentos, que dentre tantas e variadas atividades que exercer dedica-se também ao conto de casos. Após descrever a personalidade do amigo, irmão e confidente, que demorou mais de meia hora, pois o currículo é extenso, fui subitamente interrompido pela voz grave do meu pai:
- Após diga a Adriano que mandei contar-lhe esse caso verídico que ocorreu lá em Caraúbas com um parente nosso, mais precisamente no Sitio Santo Antonio, quando o dito sujeito empreendera uma caçada para desafogar a fome dos filhos, que não podiam comer carne que era semana santa e, principalmente, pelo fato de não possuírem tal mantimento em casa.
Largou-se no comentário:
- Ao sair de casa para caçada, a mulher o alertou que seria semana santa e isso poderia ser um agravante nessa empreitada. Todavia Zé da Oiticica, como era conhecido, retrucou dizendo que Deus é pai e não levaria em conta tal ofensa face ao infortúnio vivido por eles.
Ao caminhar na mata por alguns quilômetros, Zé deu de cara uma um veado grande e gordo, carnudo o suficiente para a aplacar a fome da família por um lapso de umas duas semanas. Preparou a espingarda, calibrou, mirou e visualizou o alvo, quase caiu do susto. Abaixou, olhou, constatou que era um veado. Repetiu a cena anterior, quase caiu, apavorou-se. Levantou os olhos que estavam no chão, fitou, concluiu que era um veado. Recobrou o ânimo, pensou nos filhos, sentiu fome, mirou, desesperou-se, chorou, não atirou, voltou pra casa, contou a história, nunca mais falou, a mulher espalhou a conversa, papai soube, mim disse, contei pra você.
“O veado transformava-se, quando na mira da espingarda, numa linda mulher”.

Marciel Antônio de Sales é cidadão patuense por méritos, prefeitável da cidade de Grossos, nascido em Caraúbas sob as benção de São Sebastião, andarilho das noites enluaradas do sertão, filho de Brasilino, testemunha de um caso do além lá pelas bandas de Olho dagua dos Borges, fiscal das rodovias que ligam Pau dos Ferros a Pombal, palestrante internacional com inicialização em Catolé do Rocha PB.

2 comentários:

Iran Almeida disse...

Adriano,

Oportuna a qualificação empregada ao ínclito mestre Marciel.

Parabéns a vocês, contadores de casos, pois realmente dispõem de uma acurada maestria na arte da narrativa.

Forte abraço!

Gláuber disse...

A melhor parte é o curriculum vitae de marciel!!! kkkkkkkkkkk