Nem toda solidariedade vale a pena.

Em um ano de boa safra José Leite comprou uma fazenda de tecido e confeccionou três roupas, uma pra cada filho.

Marcelino, Antonio e Alberto não se continham de tanta alegria quando olhavam para as peças, todas iguais, um conjunto azul claro. Estavam felizes em participar da festa de São Francisco.

O vizinho de José Leite não teve a mesma sorte, uma praga abateu a sua safra de algodão e não sobrara quase nada, sem dinheiro para comprar roupas para seus dois meninos a família não iria a um batizado que fora convidada.

José Leite oferecera as roupas dos seus filhos para que as crianças do vizinho participassem da festa desde que chegassem a tempo de Alberto, Antonio e Marcelino por solidariedade desfrutassem da procissão e do encerramento da solenidade católica.

Alegres desceram à rua os meninos vizinho enquanto o crepúsculo caía triste para os três filhos de José leite. Por volta das sete se ouviu os primeiros rojões.

Gritos de divertimento, música, risadas, sino tocando, bêbados contando grandezas e valentias, damas rodeando a igreja, flertes adolescentes, algodão doce, banquinhas de guloseimas e penduricalhos, tudo isso se misturava nas cabeças dos meninos transformando suas férteis imaginações em uma grande quimera que era aquele fabuloso dia do Santo Padroeiro.

Já se ouvia o hino de São Francisco:

São francisco das Chagas
protegei a humanidade
perante o redentor

cheio de amor
cheio de amor

Alberto e Antonio sairam devagar até a casa em que acontecia o batizado, por trás da cerca de faxina observavam suas roupas correndo, se divertindo, comendo, enquanto àqueles olhos suplicantes miravam-nas através das frestas das varas.

Depois de muito, o pai cessionário organizou a família para voltar para casa. Alberto e Antonio se encheram de contentamento e correram para esperar suas roupas.

Mais uma meia hora até chegar em casa, tirar a roupa suada, devolvê-las aos donos...

A carreira pra chegar na festa foi tão grande que o calcanhar batia na bunda, quando avistaram a igreja os corações aceleraram, a alegria tomava conta deles.

Mas quando se aproximaram, a tristeza os abateu, o locutor agradecia a todos que participaram do leilão, as barraquinhas já estavam sendo desmontada, as famílias já retornavam ao lar, o algodão doce e as guloseimas já haviam se acabado, restavam apenas os bêbados que já não contavam vantagens devido ao alto grau de embriaguez, alguns casais de namorados censurados pelas beatas e a sujeira do fim da festa.

No desconfortável patamar da igreja sentaram desolados, consternados e desta forma chegaram a conclusão de que nem toda solidariedade vale a pena.

1 comentários:

Iran Almeida disse...

Nobre contador de "causos", estou ancioso pela publicação do vosso livro, pois com certeza trará um compêdio de várias histórias e/ou estórias tão bem narradas neste espaço. Parabéns pela criatividade. Forte abraço!