Nunca a aurora foi tão cruel

Zé já havia aflorado à maioridade, todavia, por conta do seu desalinhamento estético não desenvolvera habilidades na seara do amor.

Sua inocente fealdade manteve, até aquele dia, as garotas distante da sua gana institiva, mesmo assim resolveu arriscar e partiu com fé para o famoso Forró de Abel.

A sua esperança permanecia viva principalmente porque descobriu que no tal forró as mulheres são obrigadas a dançar com os homens, já que não lhes são cobrada a entrada. Quem desobedecer a esse princípio é convidada a deixar a festa.

Teve sua primeira decepção logo antes de começar o baile, Abel subiu em um tamborete e discursou:

-Pessoal, todo mundo sabe como é que funciona o sistema aqui. A mulher já não paga que é pra não dar fora em ninguém. Por isso quem quiser evitar sair do forró não pode negar dança.

Até aí tudo bem, o desgosto dele foi com a segunda parte da fala de Abel:

-Agora eu queria pedir a compreensão desses rapazes mais feios. Olhe pessoal procure as mais feinhas pra dançar, não fique chamando as bonitas não se não eu vou ter que passar a noite botando moça pra fora.

Aquilo doeu em seu peito, parecia que Abel direcionava aquele discurso pra ele, a tristeza abateu seu peito, mas como não tinha transporte pra ir embora perambulou pelo forró por longo tempo.

Uma hora saiu para expelir água acumulada na bexiga e encontrou-se com uma moça que ele não conseguia delinear sua aparência física, haja vista a escuridão daquela noite e depois para delírio do seu ego, estava ele enamorado daquela garota. Zé parecia levitar em brumas quão grande era o êxtase em que se encontrara.

No ermo de luz sentaram-se no parachoque de um fusca e deleitaram-se no afã de um relacionamento.

Dodô, seu amigo, que ouvira boatos que Zé havia transpostos os limites de seu deslustre e saiu em procura do companheiro. Esticava o pescoço por trás dos carros até encontrar o casal apaixonado. Admirado com o acontecimento bradou:

-Zéééééééé! arrumou uma namorada!

Dodô aproxima-se da moça pra fazer uma avaliação mais apurada da situação.

-Se eu fosse vocês eu terminava esse namoro agora, antes do sol raiar.

Zé não deu ouvidos às besteiras Dodô e continuou a aspirar o doce perfume barato impregnado no vestido da amante.

Com algum tempo ela pediu licença para ir ao banheiro, ele consentiu ao mexer em sinal positivo a cabeça. Passaram-se dez, vinte, trinta minutos.

Olhou então para o nascente e percebeu a natureza pintar o belo quadro da aurora, lembrou-se do conselho de Dodô e a sua consciência então acusou que ao abrandamento da cerração revelara aos olhos da moça o deslustre do rapaz.

Suspirou desolado sentado naquele parachoque e se despediu daquela noite utópica.

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